Complexo de Cinderela ou o abandono do medo te cai tão bem

 

As mulheres buscam ter uma vida dependente dos homens, pois esse é, supostamente, o modo mais seguro de se viver, eis a tese do livro Complexo de Cinderela (2022), de Collete Dowling. 

Dowling inicia reafirmando o que Betty Friedman havia exposto, algumas décadas antes, n’A mística feminina (2020): esposas/donas de casas/mães são infelizes, invejosas, ressentidas e sem sucesso algum, e o são por condicionamento social, haja vista que, desde crianças recebem uma educação (em casa, na escola, na igreja etc) que reforça bons comportamentos, isto é, docilidade, submissão, sacrifício em prol de outrem, apego a própria aparência, restrição ao lar, arrumar-se tão somente para conquistar ou manter um homem etc. Sendo este o modo de agir coerente com alguém que está apta a atrair, ser sustentada e protegida por um homem (marido/amante).

Porém, agindo assim as mulheres se lançam em uma situação de infelicidade, já que isso as restringe a uma esfera, o que por sua vez as impossibilita de viverem de acordo com suas reais possibilidade. Só sendo possível sair de tal status, que a busca mesmo por segurança as lança, através de alguma atividade remunerada, fora do lar, ou ainda que se exerça nesse, mas que não sejam as atividades domesticas.  

Sendo assim perguntamos: se ter um trabalho remunerado, fora de casa, é sinônimo de felicidade/sucesso porque não o são todos os que o têm?

Exemplo disso é o relato da muito bem sucedida produtora e roteirista norte americana Shonda Holmes, que em seu descontraído livro O ano que disse sim (2016), afirma com todas as letras que no auge da sua carreira, sendo responsável por duas series televisivas bem sucedidas, sentia-se infeliz. Refletindo sobre essa situação concluí que se dava por não dizer “sim” o bastante, isto é, não dar ainda mais abertura ao próprio crescimento.

Indo no mesmo sentido das afirmações de Dowling, pois segundo ela é um obstáculo comum às mulheres que resolvem inserir-se no mercado de trabalho, já que, por vezes, não galgam a postos maiores e melhores, e não obtêm uma vida profissional sempre condizente com suas capacidades, por medo de assumirem mais responsabilidades, ficarem no centro das atenções (o que também ocorre por condicionamento social). Donde advêm outro questionamento: a felicidade só é possível quando se está, nos assim considerados, maiores e melhores cargos?

Se sim, então, podemos inferir que enquanto se vive o processo de tentar chegar até um desses, ou mesmo se resolve investir em um que não tem todo esse status em torno de si, poderemos dizer que a pessoa é infeliz? Se felizes são, e tão somente os que estão e se mantêm em posições de poder, como explicar a declaração da atriz bahiana Ingra Lyberato, feita na palestra “Medo do Sucesso” (2021), no Ted São Paulo, sobre sua decisão de, após protagonizar quatro novelas de sucesso, afastar-se das câmeras e ir cuidar de cavalos? Segundo ela, tal postura se deu devido ao medo de não conseguir se manter na situação feliz, o que parece representar o que é vivido por uma parcela significativa de mulheres:

 

O medo do sucesso é medo de crescer. Eu preferia mil vezes estar ali no meu cantinho, no meu quadradinho. Mesmo que a minha vida tivesse insatisfatória. Que tivesse infeliz, me sentindo frustrada, mas pelo menos naquele espaço, eu conhecia tudo muito bem. Eu tinha uma ilusão de que eu tinha o controle.

 

Não será esse o modo de pensar de muitas mulheres, sejam elas donas de casa, executivas ou atrizes? Preferirem estar em um cantinho, ainda que infeliz, insatisfatório, mas conhecido, portanto, seguro, pelo menos em aparência, do que ir ao que é novo, desafiador, e, portanto, cheio de possibilidade de crescimento? Afinal como continua Ingra (2021): 

 

Crescer dar trabalho. É um desafio que exige coragem. Abertura (...) O medo de se entregar ao sucesso, a felicidade, é também o medo de não conseguir sustentar essa situação tão feliz. Medo de fracassar. E aí acreditando que eu vou fracassar eu antecipo esse fracasso, porque assim pelo menos eu não vou ser pega de surpresa. Mais uma vez eu tenho a ilusão que eu estou controlando alguma coisa.

 

            Não preferem muitas mulheres permanecerem em um nível de estudo abaixo do que podem obter, em um emprego abaixo do que suas potencialidades permitem, em um relacionamento que lhes oferecem nada ou quando muito o mínimo do mínimo que uma planta carece pra permanecer não viva, mas com uma espécie de sobrevida, do que, a semelhança de Holmes (2023) dizerem “sim!” a tudo que pode leva-las além?

É ainda de Holmes (2023) o raciocínio de:

 

Em uma mensagem de texto a uma das minhas amigas mais próximas naquele dia, eu escrevo o seguinte: vou dizer sim a tudo e qualquer coisa que me apavora durante um ano inteiro, ou até que eu morra de medo e você precise me enterrar (...) Não estou entusiasmada, mas estou determinada. Minha lógica é extremamente simples: dizer não me trouxe até aqui. Aqui é uma droga. Dizer sim pode ser o caminho pra algum lugar melhor. Se não for o caminho pra um lugar melhor, será ao menos pra um lugar diferente. Não tive escolha. Na verdade, não quis escolha. Depois que vi a infelicidade que eu senti (...) continuar recusando as coisas não ia me levar a lugar nenhum. E ficar parada não era uma opção (...) além disso, sou uma pessoa que ao ver um problema precisa resolve-lo. (Holmes, 2023. p.36).

 

Talvez o que falte as mulheres, independente de em que situação estejam, é olhar pra si e terem o que Holmes (2016) chamou de comichão, Ingra (2021) de autoconhecimento, para por fim chegarem aquilo que Dowling (2022) considera ser o ideal de vivência feminina: assumir a(s) responsabilidade(s) por si mesma, tomar as próprias decisões, chegar ao máximo de suas potencialidades e viver em liberdade, não em inseguranças, dependências e medos.

 

REFERÊNCIAS:

DOWLING, Colette. Complexo de cinderela: desenvolvendo o medo inconsciente da independência feminina. São Paulo: Melhoramentos, 2022.

FRIEDAN, Betty. A mística feminina. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2022.

HOLMES, Shonda. O ano que disse sim: como dançar, ficar ao sol e ser sua própria pessoa. Rio de Janeiro: BestSeller, 2023.

LYBERATO, Ingra. O medo do sucesso. TedxSãoPaulo, 2021. Um vídeo (16:24). Disponível em: https://youtu.be/1bcmAM5UF6g?si=0Ntb67e4wx2nXJym. Acesso em 21 de janeiro de 2024.

 

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