Dez balões amarelos ou uma criança de 22 anos de idade

 

Já um pouco cansada a professora enche dez balões amarelos. Pede as crianças, todas com cinco anos de idade, que façam uma fila para recebe-los. Assim ordenados os leva a uma área externa a sala de aula, mas ainda nas dependências da escola.

Senta-se em um banquinho e fica os observando jogar os balões pra cima. Pra cima. Pra cima. Pega do chão. Pra cima. Direita. Pega do chão. Pra cima. Esquerda. E em cima, chão, direita, esquerda.

O que até então lembrava uma dança passa em questão de milésimo de segundo a luta de boxe, já que duas meninas começam a brigar pelo mesmo balão. Uma delas simplesmente não sabe onde o seu foi parar, e está segura que o balão em questão é o seu. “Se não fosse, não se importaria que, ainda que injustamente, viesse a ser”, pensa com censura a professora. “Ah, não pensam assim muitos adultos? O importante é vencer. Vencer sempre. E que eu seja o vencedor. O que importa a moralidade dos meios, se o fim for alcançado?” Tem suas reflexões do “ao vencedor as batatas” interrompida pela solicitação das pleiteantes a intervir.

- Tia, meu balão!

- É MEU!

- Meninas...

- Meu!

- Meninas!

- É MEU!

- MENINAS!

Violentamente a dona pega o balão e corre, a perdedora põe-se a chorar e se encaminha pra sala de aula. Uma terceira acha o balão perdido e a chama, mas ela não ouve, pois o choro não deixa. A terceira continua a chamar, e nada de ser ouvida; a preocupação de continuar se deleitado no próprio choro não permite. 

“Será possível?”, pensa a professora, “Ah, mas também não são assim alguns adultos? Tão centrados estão no prazer que sentem de labuzarem-se em seus sofrimentos que não conseguem ouvir a solução do fim dele bem ali, há três metros, ou quem sabe até mesmo de baixo do próprio nariz, e porquê não ainda mais perto, dentro de si, em seus corações? Quantas soluções pra problemas grandes e os milhares de pequenos que temos não estão bem perto de nós e nós preferimos chorar, pois chorar é doce, como doce é coçar a casquinha de uma ferida.”

 A terceira criança desiste. Não há muito que se possa fazer por quem não quer que seja feito algo por si.

 Joga o balão pra cima. Direita. Esquerda. As demais crianças seguem no compasso. Menos a que busca consolo em um choro desmensurado pelo que não é seu. E espera que a professora lhe diga palavras reconfortantes. Esperava por isso quando estava no ambiente externo, e segue esperando na sala de aula, assim que a ela todos retornam.

A professora sabe disso, mas não o fara. Está aborrecida. “Ora essa, chorar por não conseguir obter o que é alheio! E tão fixo ficar no que não lhe pertence que deixa de obter o que é seu por direito.”.

Tem seu pensamento interrompidos pela lembrança de conferir seu whatsapp. Nada de mensagem dele, deve estar com a esposa. E também ela se põe a chorar com vontade de gritar “É MEU!” por um balão amarelo que jamais lhe pertenceu. Que nunca lhe pertencera. E, ainda que viesse a pertencer: seria ela feliz tendo algo que não é seu? 

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