A aliança no dedo é a prova da respeitabilidade da mulher

 

                                                            Dedicado a Nelson Rodrigues e aquelas que nunca passam.

 

Essa respeitável moça, de uma respeitável família fez se ouvir pela primeira vez em 31 de março de 1984, por meio de um forte e categórico choro capaz de abrir seu pulmão e de mais 5 crianças que nasciam naquele hospital.

Essa respeitável moça, de uma respeitável família foi criada a base de banana amassada e leite em pó. Cheia de laços na cabeça e inteligência nenhuma no cérebro.

Essa respeitável moça, de uma respeitável família teve uma criação arrogante outorgada por seus pais o que a fez ter um senso desmedido de si mesma, atribuído-se um valor maior do que o que na verdade tinha, por isso não raro escrevia vinte vezes seguidas em seu caderno de colegial “sou especial” e coisas do tipo, não havendo neles nem mesmo a sombra do rabisco de uma formula matemática, mas certamente mantras e mais mantras ilusórios, os quais a acompanharam em cada fase de sua vida, e que, certamente, será impresso em sua lapide.

Essa respeitável moça, de uma respeitável família foi uma criança apaixonada por banhos e consigo levou tal paixão à adolescência, e apesar da gravidade dos pais, sempre conseguia o assentimento deles para ir a qualquer um que aparecesse. Foi em um desses, quando tinha 14 anos de idade, que reparou em um dos moleques da rua de baixo, não que não o tivesse visto antes, já o vira muitas vezes, a jogar bola com seus irmãos, mas reparar, reparar, só agora. E pelo visto também ele reparara nela, não que não a tivesse visto antes, já a vira muitas vezes, a pular elástico com suas irmãs, na rua de cima, mas reparar, reparar, só agora.

Essa respeitável moça, de uma respeitável família & esse respeitável moço de uma respeitável família repararam que um repara no outro, e ele aproveitou a barca do jogo pra aproximar-se dela, perguntou-lhe se queria conhecer um pouco mais do ambiente; ela assentiu, e assim, afastados dos olhos dos meninos da rua de baixo e das meninas da rua cima e dos adultos de várias ruas que por ali estavam, a beijou.

Essa respeitável moça, de uma respeitável família & esse respeitável moço de uma respeitável família consideraram que um beijo era mais que o bastante para encetar um namoro. E que um namoro é mais que o bastante para que em menos de um ano estivessem entregues as relações sexuais, sempre na casa dele, em seu quarto, sob a desculpa de que iam ouvir música. A mãe dele ser uma deprimida que não dava a mínima se os filhos estavam vivos ou mortos ajudava no processo. E, enquanto a música tocava, o sangue corria nas veias penianas do respeitável rapaz. 

Essa respeitável moça, de uma respeitável família, não tinha grandes preocupações com estudo, apesar de morar em uma capital e ter tanto acesso à educação quanto quisesse, mas tinha enormes preocupações com audição musical e pulos, contanto que sempre fosse no quarto de respeitáveis rapazes, de famílias respeitáveis ou não; e os pulos nada mais tivessem com elásticos.

Essa respeitável moça, de uma respeitável família, após oito anos servindo de crítica musical e de dedicada acrobata; finalmente apareceu com barriga. Agora podia, pois tinha uma aliança em seu dedo que a legitimava. Foram necessários apenas 8 anos de música e pulos, 624 preservativos, 17 pílulas curadoras de susto, vulgo do dia seguinte, uma paixão intensa por chá de canela, e só de canela, nenhum outro; dois abortos clandestinos, uma cirurgia de endometriose, uma aliança, três meses de tratamento, um casamento com seu primeiro (e segundo ela mesma único) namorado e voala, a mágica acontecerá, nascerá a menininha querida deles e de suas famílias, não que eles já não tivessem netos, tinham, mas essa era a única que tinha sido feita conforme os conformes, isto é, após o papel passado no cartório e de padre abençoando a união daquela noiva de véu e grinalda branco puríssimo como só se é permitido a uma respeitável moça de uma respeitável família.

 

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