Teus olhos precisariam ser
invejosos, Lia, pra que Jacó te amasse
Não sou Raquel, sou Lia.
Não sou Raquel, a formosa.
Sou Lia, a vesga.
Maltradada, desprezada. Consumida pela esperança.
Ele me amará. Agora ele me amará,
pois lhe dei um filho.
Raquel não deu nenhum. E ele a
amou.
Mas sou Lia, mãe de um filho.
Consumida pela esperança.
Ele me amará. Agora ele me amará,
pois Simeão nasceu.
De Raquel não veio José. E ele a amou.
Mas sou Lia, mãe de dois filhos.
Consumida pela esperança.
Ele me amará! Ele sempre me amará!
Dei luz aos levitas e de mim saiu o
cetro de Judá.
De Raquel veio Benoni. E ele a amou.
Mas sou Lia, mãe de quatro filhos.
Desiludida, vesga, sem esperança.
Não lhe darei mais nenhum.
Não quero mandrágoras.
Não quero o direito do leito.
Não me interessa se ele já voltou do
campo.
Escutem, filhos de Lia.
Escutem, Diná e todas vós, filhas de
Lia, que atravessaram os séculos
Consumidas na esperança de que agora
serão amadas, pois deram a eles
um, dois, três, quatro filhos.
Não serão. Seu útero fértil não te
dará o amor.
E, fique feliz por ter olhos vesgos.
E não os olhos formosos e bons de
Raquel.
Olhos bons, formosos e invejosos.
“Do que me vale seu amor, se não
posso dar-lhe filhos?”
“Dá me filhos, se não morro!”
Pra Lia Raquel dizia “é a mim que
ele ama”
Pra Raquel Lia respondia: “eu
dei-lhe, filhos!”
Para si Raquel dizia: sou terra
seca.
Pra si Lia dizia: sou mãe de um, de
dois, de três,
quatro filhos e de uma multidão incomensurável
de mulheres
consumidas pela esperança de que
algo que elas façam
lhes dará
o amor. Mas o amor de Jacó jamais virá pra Lia.
O amor de Jacó pertence a Raquel.
Raquel, a formosa, a ladra, a
invejosa.
Teus olhos precisariam ser
invejosos, Lia, pra que Jacó te amasse.
Mas, não, eu não quero olhos
invejosos.
Eles fazem mal. Eles tentam
despojar-me do amor que nunca tive.
Os olhos vesgos são feios, mas não fazem mal.
Eles só querem que alguém os veja e
os amem assim como são:
vesgos, feios, férteis e bons.
Diná nasceu! Viva, não precisamos
mais ser Raquel e Lia.
Podemos ser Diná, aquela que não
corre atrás de amor e de filhos.
Aquela que visita.
Mas, que pena. Visitas não são permitidas.
E Diná não
querendo ser Raquel nem Lia,
foi violentada violentamente.
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